sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Vovozar


Quando criança sempre ouvia a expressão:
- Vai ser bom assim lá na casa da minha avó.

Minha curiosidade me corroía para saber deste lugar tão bom assim. Até quando pude ir à casa da vovó em férias do mês de julho. Ela morava numa roça de nome Furtado, num sopé de uma serra e para chegar lá era uma longa e sofrida caminhada num terrível sobe e desce parecia que a gente estava indo para o céu. Ainda tinham os  córregos para atravessar sobre um tronco improvisado de madeira, que chamavam de pinguela. É para lá que viajava nas férias nas duas escolares nos anos 60. Era a casa da mãe do meu pai.

Era o meu paraíso está perto daquela avó, saboreando suas deliciosas iguarias feitas com as coisas daquela roça, tudo natural do quintal. De armadilhas em armadilhas saboreava variados tipos de caças e peixes. Eu não tinha a consciência de hoje e tão pouco existia esta coisa de defesa dos animais e preocupação com meio ambiente. Os caçadores faziam a farra na floresta farta, com carnes de pacas, tatus, coelhos, Jacu, veados e outros. O certo é que ficávamos ansiosos pela volta deles com suas caças, dependuradas.

Naquele canto feliz, não tinha luz, um rádio de pilha ABC canarinho voz de Ouro, fazia a função de relógio e de sons da linha sertaneja, às vezes inaudíveis, apesar de um arame amarrado pelas arvores e interligado na sua antena.  A água nascia numa grota no pé da serra descendo ininterruptamente por tubos de bambus abertos ao meio até a porta da cozinha, onde tinha uma bica a desaguar numa grande gamela feita de madeira das boas, como dizia minha avó. Água era muito boa, fresca que passava por entre arvores, quase sem contato com raios solares.

Quando estávamos lá era uma das tarefas de menino naquela casa fazer a limpeza do percurso da água, devido às folhas que se acumulavam nos bambus partidos. Na caída da bica sempre tinha uma lata grande cheia de água, e numa espécie de tarimba sabão de pedra, buchas de palha de milho, lata com cinza, areia que eram usadas para lavar aquelas pretas panelas de ferro, ou de pedra sabão.

Todas as tardes minha avó tinha o cuidado de que todos tomassem banhos que era numa bacia grande, que ela colocava com água aquecida e jogada sobre cada um com uma lata e nos preparava para dormir, pois ali se dormia com o horário das galinhas e dos pássaros, coisa de lugar sem luz. Bastava o sol sumir ela já estava com o jantar esquentando. Ali o breu era total e assustador, exceto em noites de lua, em que dava para ver o terreiro de café que ficava ao lado da casa no caminho para o córrego onde a gente se banhava todos os dias quando saiamos para pescar Lambaris, bagres, Mandis, traíras.

A casa dos meus sonhos ficou no tempo, perdida entre os pés de café, mexericas, coqueiros, mamonas e de mandioca. Já não vejo o terreiro de café, a bica, tudo secou com o tempo apodreceu, virou fogo em cinza se transformou. A vovó já não existe mais apenas uma foto dela junto de meu pai que também já não existe mais é tudo que fica nesta lembrança e distancia. Os pássaros emudeceram, os animais foram expulsos com tanto barulho da presença maciça humana.  

Mas meus pés hoje cansados, calejados pelos sapatos, botinas e caminhadas mais que se mostram tão frágeis, mas ainda pressente da saudade daquela água quentinha jogada pelas canelas, nas tardes na casa da Avó Iracema.
Ah, como era bom na casa da vovó.

Toninho.
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 Uma participação na blogagem da Norma sobre a arte de ser avó. 
http://pensandoemfamilia.com.br/blog/

Com parabéns a ela por ser a mais nova vovó da nossa familia na blogosfera.

26 comentários:

  1. Puxa, fiquei com vontade de ter tido uma vovó assim e uma lugar desses para as férias escolares.

    Que lindas lembranças em ti deixou e esses momentos com ela e por lá que ficaram bem registrados em tua memória!


    Adorei tua participação!


    Valeu e realmente seria legal, nos dias de hoje, uma bacia assim ao final do dia. abração, lindo fds! chica

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  2. Lindas memórias, Toninho. Que bom que sua infância foi muito boa...

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  3. Olá, Toninho
    Cada um coloca o bom de si numa postagem assim tão pessoal...
    Vc se esmerou em detalhes tão significativos que dá gosto de ler...
    O que fica no coração é sempre o mais válido, de fato...
    Vc provou isso com galardão.
    Minha avó também tinha a sua cristaleira com os potes de doces que eram uma tentação... numa sala enorme com tábuas corridas pelo chão...
    Eu fui lendo e me recordando das viagens de criança quando ia pra roça no ES... só que já tinha mais recursos por lá... Nunca me esqueci de tudo o que por lá vivi...
    Tenha um ótimo dia pois me fez inciar bem o meu!!!
    Bjs fraternos de paz e bem

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  4. Obrigada amigo pela sua participação e por compartilhar conosco suas belas memórias.
    Bjs

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  5. Querido Toninho
    Como eu gostei de ler esse seu relato de infância.Aprendi nomes de animais cuja carne é boa para se comer e de peixes ,dos quais nunca tinha ouvido falar.Era tudo tão bucólico!E os acessos! E os banhos! E as iguarias da Vóvó,tudo biológico,tudo puro.devia ser tudo tão bom!!! E as plantas de que fala...Algumas só conheço de nome.Quanto detalhe.parece até que estou a ver tudo,como se fosse um filme.O Toninho escreve tão bem!Muitos parabéns.
    Eu estava habituada a lê-lo como poeta e venho encontrar um ótimo prosador.Adorei o seu texto que,no fundo,é bem poético.A sua Vóvó vivia rodeada pela natureza.Que maravilha!
    Pela maneira como escreve,já pensou em redigir as suas memórias?iria ser um sucesso.
    Uma ótima 6ª feira.
    Beijinhos da
    Beatriz

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  6. Que passeio maravilhoso este em que vc nos leva, amigo Toninho.Foi pra mim pura epifania diante dos detalhes da casa em meio a natureza.Vi a água da nascente correndo rumorosa e límpida em direção á gamela grande, o alvoroço dos pássaros, o aroma dos quitutes no fogão á lenha...Marcantes lembranças do carinho vivo de tua avó.

    Fico com esta imagem nas retinas.Obrigada!
    Paz e Bem!
    Abraço,
    Calu

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  7. Olá meu querido amigo, eu adoro ler esta história, já a tinha lido há tempos atrás fiquesei-a de tal maneira que a revivi ao ler, até parecia que era eu a viver nela.
    São narrativas pedaços de vidas que já ficaram lá tão longe, mas que ficam sempre gravadas na nossa memória para todo o sempre. Obrigado meu querido por me voltar a fazer lê-la porque é linda de morrer.
    Tudo de bom em sua vida com beijinhos de luz e muita paz.

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  8. Toninho, que lindas lembranças! Conheci alguns lugares assim, com essas características da terrinha dos seus avós. A vida "na roça" era (acho que ainda é) muito boa. Vivi no interior, até quase 7 anos de idade e pouco me lembro. Mas passei muitas férias com parentes, em lugares assim como vc descreveu.
    Gratificante é se lembrar das delícias que a vovó preparava, tudo tão gostoso, fresco e saudável. Que bom que sua memória acalenta tão lindas lembranças.
    Beijo e bom fim de semana. (eu também "vovozei". rs)

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  9. Oi Toninho, historia muito linda, cheia de saudades, tive a sorte de ter a minha avó materna que morava também no interior aonde passava as minhas férias, banho de rio, cuia como se chama aqui no nordeste fruta tirada no pé tive a sorte de conviver com esta criatura santa que me ensinou amar a Deus e a rezar. gostei do teu conto está cheio de recordações, como é bom ter tido uma avó para mais tarde fazer parte de nossas saudades,abraços Celina

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  10. Olá amigo, que bela história, quanta saudades nos tráz. Obrigada por sua participação no meu blog... Bom fim de semana Criei mais um blog, vá lá conhecer rsrsrsr..

    Riscos para pintura em tecidos
    meusriscosparapinturaemtecidos.blogspot.com.br

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  11. Sua infância foi maravilhosa, Toninho.Obrigada por compartilhar um pouquinho dela conosco.

    Beijinho.

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  12. Olá, Toninho,

    Neste tempo a maioria dos netos eram apenas visitas, hoje as avós estão se transformando em mães duas vezes.
    Muito bom o seu texto. Obrigado por ter comentado no meu blog.

    Um abraço, paz e bem

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  13. Com muitas saudades depois de uma pequena ausência
    estou voltando para agradecer seu carinho comigo
    eu entendo ,que a amizade é eterna quando somos amigos de verdade.
    Nessa ausência pude compriender o quanto
    sua presença enche minha vida de esperança.
    Esta sendo difícil passar por mais essa fase
    da minha vida.
    De sorte a minha fé é inabalavel por maior ,
    que seja minha luta procuro ser cada dia mais forte.
    Eu ainda não sei de onde vem minha força,
    mais acredito , que vem do Alto Dos Céus.
    Onde as estrelas e os anjos me cobre de paz e de luz
    restaurando assim minha vida.
    Com muito carinho deixei um premio na postagem
    caso gostar leve por favor.
    Deus abençoe seu final de semana.
    com carinho e minha amizade pra sempre.
    Beijos no coração e na sua alma.
    Evanir.
    Amigo adorei ler sua postagem
    seu lugar realmente me encanta.
    No próximo ano irei na casa da Gracita ela conhece bem sua cidade
    um abraço ,Evanir.

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  14. Olá amigo!
    Que sorte você tem em ter tido essa avó maravilhosa! Que sorte em guardar dentro de si essas recordações tão doces do tempo de menino.
    Obrigada Mineirinho por me fazer sonhar e sentir feliz quando lia a sua crónica. Um abraço de Portugal.
    M. Emília

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  15. Oi Toninho, viajei aqui agora, fui lendo e imaginando tudo isso, bom demais, eu sinto falta da natureza, ainda mais em cidade grande, sabe como é...
    Adorei te ler meu amigo, obrigada pelo passeio nesse adorável paraíso com sua vovó!
    Abençoada noite e ótima semana, abraços

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  16. Lembranças do coração, beijo Lisette.

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  17. Oi, Toninho!!
    Não soube dessa blogagem coletiva... Seu texto me fez voltar para a casa da minha tia-avó, irmã de minha avó materna, já que quando nasci, ela já não estava entre nós. A minha outra avó era cosmopolita e eu vivi entre esses dois mundos. O que mais gostava era o mundo mais simples e mais divertido! A minha tarefa todas as manhãs era passar pela cozinha para pegar as canecas com café para levar ao curral. Eu vestia galochas para atravessar o orvalho que molhava o capim e lá ia com as canecas de ágata em uma bandeja. Chegava na porta do curral, meu primo pegava a bandeja, levava e depois vinha me buscar. Me pegava no colo, porque eu tinha medo das vacas e me colocava sentada no mural para ver a ordenha. Ele enchia a minha caneca com leite espumadinho e eu adorava ficar de bigode! Essa é uma das minhas doces lembranças da infância na roça.
    Boa semana!!
    Beijus,

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  18. Bom dia, Toninho!

    Tudo bem?

    Que lindo, terno, aprazível e saudoso é seu texto!
    Como eu compreendo você, seu texto e tudo, mas tudinho mesmo, o que nele descreve.

    Você fala, exalta a casa, a natureza, suas tarefas lá, etc. com tanto carinho e saudade, que dá pra sentir tudo isso, aqui, perfeitamente.

    Você fala de seu avó materno e de sua casa. Eu, em um dos meus blogs, dediquei um bom e merecido espaço só pra ele, só pra nós. Creio que você até já leu.

    RECORDAR É VIVER DE NOVO AQUELAS COISAS INESQUECÍOVEIS, ÚNICAS.

    Boa semana, com alegria e muita harmonia, pensando no presente e no passado, que nunca esquecemos.

    Beijos da Luz, com apreço e carinho.

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  19. Casa de avó é santuário de paz.Sinto saudades demais da minha vozinha.
    beijo Toninho

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  20. Olá Toninho
    Infelizmente não tive a oportunidade de conviver com minhas avós. A mãe de meu pai,morreu eu ainda era pequeno, e a da minha mãe, nem conheci, quando nasci ela já havia morrido. Sinto esse vazio.
    Abvraço

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  21. Ei Toninho
    Que lembranças inesquecíveis você tem da casa de sua avó, muito lindo isto. Queria ter tido avós assim pra eu poder me lembrar delas com saudade e carinho.
    Um abraço.

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  22. Que beleza de memórias Toninho! Eu também viajei contigo para a casa de sua avó querida. Minha mãe, mineira, conta casos assim de lugares com pinguela, com bacias, com bananeiras, breu total da noite e suas lembranças são igualmente felizes disso tudo. Eu que nunca vivi em lugar assim, fico idealizando tudo, fazendo destes lugares uma ideia mágica e cheia de carinhos.
    Um super abraço carioca


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  23. Que lembranças você trouxe pra gente Toninho! Voltei no tempo e revi algumas coisas, algumas semelhanças também. Obrigada por compartilhar e por esse texto tão rico. Bjs

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  24. Enquanto te lia, senti como se vc houvesse pisado de novo nesse chão, reconstruindo tuas lembranças de um jeito que nos permitisse te seguir os passos, ver com teus olhos de homem sonhador e sensível, aquela paisagem da infância, rica em detalhes e amorosa como os netos, só eles, sabem ser...

    Adorei que compartilhasse conosco essa parte singela, preciosa e pura de sua vida de menino!!

    Um grande e afetuoso abraço, amigo Toninho!!

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  25. Que delícia estar assim lendo estas tuas lembranças, eu não posso dizer que as tenho desta forma, amo muito minhas avós, com a nona (mãe de meu pai) depois que enviuvou eu ia toda noite em sua casa para que não dormisse sozinha, ela era muito boa mas muito enérgica e não acostumada a carinhos, a outra vó tadinha depois que perdeu a filha de sete anos ficou com loucura senil, mas convivia muito bem com todos, apenas não conseguia demonstrar amor, agora o meu avô Guido sim gostava de nos acarinhar com doce, sonhos, em incentivar a vó a fazer bolo para nós, mesmo assim sinto muita saudades deles, e tenho dó as duas nos amavam muito mas não sabiam demonstrar, beijos Luconi

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  26. Caro Toninho

    Uma maravilhosa participação neste ato de vovozar.
    Me vi na terra onde nasci onde vivenciei quase todo o seu relato.

    Um grande abraço.

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Meu abraço de paz e luz.