quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Um apito estridente.





Numa manhã de agosto Jota acordou cedo, preparava o café, quando ouviu barulho vindo do sótão. Pensou nos gatos da vizinhança, fez o chamado tradicional bichim... bichim. Como resposta ouviu risos do pai, descendo do sótão com uma caixa escurecida pela fumaça do fogão à lenha. Após a benção quis saber, o que ele tinha na caixa. Disse que estava à procura de papeis antigos. Tomaram café e foi para seu trabalho.

Durante a manhã pensou no pai saindo do sótão, e dizia baixinho, que velho é cheio de manias, mas entendia. Aquilo ficou martelando sua mente, fazia tempo que ele não ia ao sótão. Quando voltou do trabalho, a mãe relatou que o pai passou várias horas no quintal, remexendo a caixa e que vez ou outra, ouvia um apito, mas que não identificava e que ele afirmava, não ter ouvido nada.

No dia seguinte Jota recebeu ligação urgente. Reconheceu a voz da mãe.  Logo imaginou coisa ruim, pois ela não ligava. Ao falar notou que ela chorava, dizendo que o pai havia sumido após remexer a caixa e não aparecera para almoço. Jota saiu pelas ruas a procurar e perguntar às pessoas. Pensou em suicídio, já que o pai estava chateado com a demora de um processo de ajuste da aposentadoria junto à Previdência, já uns dez anos. Lembrou de passar pela estação, onde ele ia sempre rever as locomotivas e velhos amigos.

Ao aproximar da estação, ouviu um apito estridente e continuo. Quanto mais se aproximava, era mais alto. Quando chegou junto ao muro, levou um susto ao ver o pai com um apito brilhante, soprando e acenando para um trem em manobra. Um funcionário disse, que ele invadira a pista com o apito. Correu sobre a linha e abraçou o pai, retirando dos trilhos. Ele chorava e dizia a Jota, que queria mostrar, que podia comandar os trens.

No outro dia cedo com a mãe e o pai pegou o trem para a capital para consulta ao psiquiatra. Vários exames e testes comprovaram sanidade mental. Que fora apenas uma crise emocional pela perda de um irmão num passado distante. Então o pai tirou do bolso o apito amarrado a um broche de Honra ao Mérito e disse que aquele apito, o acompanhava deste a morte do irmão numa estação e que rever o objeto naquela manhã do sótão fez um filme passar na sua mente.

E com um sorriso largo viu o trem que chegava apitando na curva da estação, para leva-lo de volta ao seu interior de calma, longe das buzinas e fumaça da capital.

Agora aquele apito fica escondido com a mãe para evitar alguma recaída.


Toninho.
Reedição de outro blog
Em 21/09/2011.

Grato pela visita.

8 comentários:

  1. Boa noite de paz interior, querido amigo Toninho!
    Faz 3 anos desde que minha tia amada se foi que nao ouco um apito de trem, nao cruzo uma Estacao ferroviaria. Era de mes a mes quando ficava uma semana com ela.
    Que saudade me deu agora!
    Imagino que sua historia foi inspirada em base ao que viveu com os trens de MG.
    Ainda bem que a historia terminou bem para o homem e para a esposa.
    Conto muito bonito de um caso que pode acontecer com qualquer um ter bum surto psicotico
    Tenha um final de semana abencoado junto aos seus!
    Bjm carinhoso e fraterno de paz w bem

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  2. Lindo e bem inspirado,com ares de realidade...Gosto sempre de te ler e [há objetos que marcam e outros até perturbam as lembranças...abração ,lindo fds! chica

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  3. Fantástica postagem!!

    .
    Afeição aos silêncios.
    Beijo e um bom fim de semana.

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  4. Que texto lindo . Adoro
    abraço

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  5. A gente saudade, e a saudade às vezes causa essa melancolia, essa loucura temporária.
    Bonito texto, Toninho!
    Abraços, bom final de semana!

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  6. A saudade veio forte trazida pelo apito que há muito estava guardado. Belo texto, amigo Toninho.
    Um bom fim de semana.
    Élys.

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  7. Um belo texto, que nos agarra da primeira à última palavra... e que nos alerta, para a atenção que deve ser dada aos transtornos emocionais... e de que ninguém está livre!...
    Excelente trabalho, Toninho! Gostei imenso de ler!
    Beijinhos
    Ana

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